domingo, 22 de julho de 2012

Da piada mais engraçada ao 1º riso: cientistas estudam a risada

Da piada mais engraçada ao 1º riso: cientistas estudam a risada


Pesquisadores tentam entender a risada. Foto: GettyPesquisadores tentam entender a risada
Foto: Getty
     

Rir é o melhor remédio. A não ser que você morra de tanto gargalhar. Essa situação foi retratada pelo grupo de comediantes britânicos Monty Python em 1969, na esquete "A piada mais engraçada do mundo". Ela era tão engraçada, que concretizava a expressão "morrer de rir". No roteiro, passou a ser arma de guerra contra os nazistas, que logo tentaram criar também sua piada mortal. Mas a busca pela piada mais engraçada pode ser trabalho sério. Cientistas como Richard Wiseman se dedicaram a essa tarefa para entender as origens, os efeitos e as características da risada. Conheça a ciência do riso.

Entre 2001 e 2002, Wiseman, professor de psicologia na Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido, comandou, no Laboratório do Riso (LaughLab), um experimento que coletava piadas através de um site na internet. Além de enviarem piadas, os usuários eram incentivados a apontar quais eram as melhores. Com 1,5 milhões de votos registrados, encontrou-se a piada mais engraçada do mundo.
Esta foi a campeã: "Dois caçadores estão em uma mata, quando um deles cai no chão. Ele não parece respirar, e seus olhos estão vidrados. O outro caçador pega seu celular e chama o serviço de emergência, apavorado: 'Meu amigo está morto! O que eu posso fazer?'. O telefonista diz: 'Acalme-se, eu posso ajudar. Primeiro, vamos ter certeza de que ele está mesmo morto'. Segue-se um silêncio e, depois, um tiro é ouvido. De volta ao telefone, o homem diz 'OK, e agora'?".

As reações
É provável que, após a leitura dessa piada, seu organismo tenha passado por diversos processos diferentes. A risada decorrente pode gerar a contração de 28 músculos faciais, de acordo com Eduardo Lambert, clínico geral e homeopata, autor do livro A terapia do riso. Essa ação, por sua vez, ativa no cérebro a produção de serotoninas e endorfinas, substâncias analgésicas que se assemelham à morfina. Ao se espalharem pelo corpo, elas acarretam sensação de relaxamento e bem-estar emocional e corporal.

As reações não param por aí, segundo a química e cientista Conceição Trucom. O ritmo cardíaco acelera, resultando em um aumento da circulação de sangue e oxigenação das células, tecidos e órgãos. A absorção de oxigênio pelos pulmões aumenta, e, a longo prazo, há um incremento da capacidade e tonicidade pulmonar. Os músculos abdominais são trabalhados, o que melhora a digestão e revigora o trabalho hepático. E, por fim, há uma redução da pressão arterial e fortalecimento do sistema imunológico.

As origens
Chega a ser engraçado que tudo isso decorra de algumas linhas de texto, algumas falas na televisão ou apenas a visualização de um tropeção do cidadão ao lado. É por isso que a ciência se debruça sobre o assunto. Robert Provine, professor de Psicologia e Neurociências na Universidade de Maryland, Estados Unidos, explica que a risada é uma vocalização, possível por meio da evolução da respiração dos primatas para o homo sapiens.

De acordo com Provine, autor do livro Laughter: A Scientific Investigation ("Risada: uma investigação científica", em português), a risada não se aprende. "O riso é um instinto humano universal. Ao contrário do choro, que está presente desde o nascimento, o riso se desenvolve mais tarde, aos três ou quatro meses, mas certamente ele é inato", esclarece.

No ano passado, pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, realizaram experimento para demonstrar que uma boa gargalhada gera substâncias químicas que agem como analgésico natural. Foi feito um teste com dois grupos, um submetido a sessões de comédia e outro a vídeos considerados entediantes. O primeiro grupo resistiu até 10% mais tempo à dor após as risadas provocadas pelas cenas de humor. Já o segundo aguentou menos tempo depois da programação chata na televisão.

O antropólogo que conduziu a experiência, Robin Dunbar, estuda os processos evolutivos da sociedade. É dele a teoria de que o tamanho do cérebro humano limita o círculo social em até 150 pessoas, aproximadamente. Segundo Dunbar, sua pesquisa pretendia, primeiramente, testar a liberação da endorfina promovida pela risada, o que foi feito. Agora sua intenção é provar que o riso ajuda a criar laços afetivos entre as pessoas e a promover atitudes mais generosas um ao outro.

Muitas vezes, o riso tem ligação com as relações sociais, e não com a comédia. "Ouvir ou ver uma pessoa rir faz com que o outro também ria, sem mesmo ter algum motivo. O contágio da risada é percebido como muito positivo, porque se ri também da risada e não apenas de alguma piada ou comportamento", afirma a antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mirian Goldenberg, em um artigo intitulado "O gênero da risada".

Provine, cujo novo livro, Curious Behavior: Yawning, Laughter, Hiccupping, and Beyond, será lançado no próximo mês nos EUA, pensa da mesma forma. Segundo ele, é 30 vezes mais comum rir acompanhado de outras pessoas do que sozinho. "O riso é um sinal que enviamos aos nossos companheiros. Quando rimos com nossos amigos, criamos uma ligação. O humor é responsável por apenas uma pequena parcela do riso humano", reforça o psicólogo.

Na mesma linha de Dunbar, um estudo dos pesquisadores espanhóis Jorge Navarro e Pedro C. Marijuan aponta teorias e evidências da evolução do riso. Segundo eles, por exemplo, a risada pode ter se tornado uma ferramenta de diferenciação social em um grande grupo. Ela serviria para atrair a atenção quando outros estivessem conversando.

Para entender essa evolução, cientistas britânicos deram início, no fim de 2011, a um experimento que envolvia cócegas em gorilas. O intuito era captar as semelhanças entre o riso de diferentes primatas, para traçar as origens do riso. As conclusões ainda não são definitivas, mas pode se supor que a risada tenha de 30 a 60 milhões de anos.

Risada contra a dor
A gelotologia (mais conhecida como risologia no Brasil) é a disciplina que estuda o riso, o humor e seus efeitos sobre o corpo, a partir de uma perspectiva científica, médica, psicológica e fisiológica. O estudo do riso se intensificou na década de 60, com o depoimento de Norman Cousins em seu livro Anatomia de uma doença, no qual ele descrevia um tratamento médico associado a ações de bom humor e risadas.

Nessa época, surgiu também o movimento de humanização do ambiente hospitalar, defendido e propagado por Hunter "Patch" Adams, que teve Robin Williams como protagonista de sua história no filme O Amor é Contagioso (2008). Conforme Lambert, "A alegria e o riso são importantes, porque as endorfinas e as serotoninas têm ação antidepressiva, elas ajudam a espantar o baixo astral, o mau humor e a irritabilidade", explica Lambert.

Foi buscando uma forma de se distrair e esquecer do estresse da profissão que o advogado Marcelo Pinto, hoje conhecido como Dr. Risadinha, desenvolveu seu interesse pela risologia nos anos 2000. Após começar um trabalho voluntário, em 2003, o objetivo de compartilhar os benefícios e a importância do riso para a saúde se intensificou. "O riso e especialmente a gargalhada funcionam como uma forma de catarse, ou seja, um meio de extravasar as emoções, aliviando as tensões diárias e reduzindo conflitos, além de trazer uma infinidade de benefícios para a nossa saúde", argumenta o autor do livro Sorria, você está sendo curado (Editora Gente, 2008).

Agentes de saúde
O riso é tão importante na sociedade, que não há apenas indivíduos dedicando seu trabalho ao estudo do fenômeno, mas também seres cuja profissão se constitui em provocar, na plateia, aquelas reações descritas no início do texto, como a contração dos músculos faciais, a aceleração do batimento cardíaco e a liberação da endorfina. "É muito prazeroso trabalhar com o que se gosta e ainda melhorar o dia de outra pessoa ao fazê-la rir, passando alguma mensagem que eu acredito", diz o humorista gaúcho Nando Viana, que faz comédia stand-up. Smigol, do grupo Comédia em Pé, concorda: "Provocar o riso em alguém é a mesma sensação de quando você faz uma boa ação. Eu me sinto fazendo o bem para as outras pessoas, podendo ajudar".

No fim das contas, pouco importa se o riso advém de uma interação social ou da fruição de um texto. "A risada é decorrente de um estado emocional, que desperta a graça e a alegria e ativa a química que gera bem-estar, e este alto astral é benéfico e pode contagiar as pessoas", finaliza Lambert. Ou seja, a menos que se tenha um ataque cardíaco ou se engasgue em uma sucessão de gargalhadas, ninguém morre de rir.

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