sábado, 3 de agosto de 2013

Show business religioso: o espetacular mercado da fé

Show business religioso: o espetacular mercado da fé

CDs, DVDs, livros, shows, programas de TV e até um site de namoro voltados para o público religioso integram esse segmento bilionário da economia brasileira

 
 
 
O panorama religioso do Brasil vem passando por um lento, porém profundo, processo de transformação. De um lado, as igrejas protestantes – principalmente as neopentecostais – têm ganhado bastante espaço, mais que triplicando o número de fiéis nos últimos 30 anos. Ao mesmo tempo, o percentual de católicos tem caído, de acordo com o IBGE, passando de 90% no começo dos anos 1980 para menos de 70% atualmente, reduzindo consideravelmente uma hegemonia de séculos.
Nesse campo, como em qualquer área onde o poder de influência está em jogo, a disputa por seguidores tem sido cada vez mais acirrada. Demarca-se, então, um período fortemente caracterizado pela midiatização e, consequentemente, pelo consumo em torno da fé, o que tornou o mercado de produções religiosas um dos mais sólidos do país.

Tabu para muitos e alvo constante de críticas fervorosas de todos os lados, a relação entre fé e negócios não é algo novo no mundo. No Brasil, entretanto, sua consolidação como um grande mercado é um fenômeno recente e está intimamente ligado à chegada de dois grandes movimentos por aqui: o Neopentecostalismo (evangélico) e a Renovação Carismática Católica.

Apesar das várias diferenças entre as doutrinas, os dois segmentos têm em comum o fato de terem nascido rompendo paradigmas dos eixos tradicionais de onde se originaram (o pentecostalismo e o catolicismo romano, respectivamente). Entre as revisões propostas, em ambos os lados está a valorização da experiência pessoal direta com Deus, o que na prática se dá através de louvores, adorações e pregações em celebrações animadas, com música e bastante interação entre os fiéis.

Com o crescimento dos dois movimentos, as celebrações têm assumido proporções cada vez maiores, gerando uma série de artistas populares e, consequentemente, de produtos. De acordo com uma pesquisa da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o faturamento anual desse mercado já supera os R$ 10 bilhões no Brasil.

No segmento editorial, publicações do gênero têm lugar cativo nas listas de mais vendidos. Na TV aberta, 110 horas semanais foram dedicadas no ano passado a programas com conteúdos relacionados à religião. Já na indústria fonográfica, a lista dos 10 CDs mais vendidos em 2011 tem cinco cantores religiosos, sendo quatro padres católicos e uma cantora evangélica: Padre Marcelo Rossi (1º), Padre Robson (5º), Padre Fábio de Melo (6º), Padre Reginaldo Manzotti (7º) e Damares (9ª). Rossi, inclusive, conseguiu bater a internacionalizada Paula Fernandes e o ídolo teen Luan Santana, bem como todos os católicos deixaram para trás o fenômeno do ano, Adele.

O padre é pop

O padre Marcelo Rossi, ligado à Renovação Carismática Católica, é, sem dúvidas, o maior ícone pop do show business religioso na América Latina. Seu CD de estreia, Músicas para louvar ao Senhor, lançado pela Polygram em 1998, vendeu mais de 3,3 milhões de cópias, de acordo com dados da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD). Até 2011, foram lançados 10 álbuns solo do padre, que resultaram em mais de 11 milhões de unidades vendidas.

Rossi também já atuou em dois filmes. Maria, mãe do filho de Deus (2003) foi assistido por 2,3 milhões de pessoas e Irmãos de fé (2004) rendeu mais de 900 mil espectadores. Na TV, além de aparecer constantemente em programas de auditório de diversas emissoras, celebra todos os domingos a Santa Missa em Seu Lar, transmitida pela TV Globo e a Rede Vida simultaneamente.

Com o mesmo título do seu último álbum, Ágape, o padre cantor lançou recentemente também um livro, que até o fechamento desta edição estava na lista dos mais vendidos da Veja há mais de 80 semanas consecutivas. O best-seller, entretanto, vinha perdendo espaço para sua versão infantil, Agapinho, que aparecia no ranking pela quarta semana seguida e já ocupava a primeira posição.

Para comportar os fãs/fiéis, o padre está construindo um megassantuário com capacidade estimada para cerca de 100 mil pessoas. O templo deverá ser maior até mesmo do que a Basílica de São Pedro, no Vaticano, que pode receber até 60 mil em celebrações internas.

Os pastores são pops

No lado dos evangélicos, o televangelismo é o grande fenômeno, em torno do qual se desenvolvem os mercados editorial, musical e, claro, do próprio broadcasting. À frente de tudo, líderes de denominações populares são verdadeiros showmen, bastante performáticos e com um imenso poder de influência.

Edir Macedo é o nome mais proeminente desse grupo. A igreja que fundou, a Universal do Reino de Deus, expandiu-se para cerca de 180 países e, segundo estimativas próprias, já conseguiu mais de oito milhões de fiéis. Tamanho sucesso na conquista de adeptos está diretamente ligado a seu potencial midiático. Hoje, estão sob a batuta do bispo-empresário a Rede Record de televisão; a rede Aleluia de rádios FM; os impressos Correio do Povo (Porto Alegre), Hoje em Dia (Minas Gerais), revista Plenitude e a Folha Universal (nacional, com tiragem semanal anunciada de mais de 2 milhões de exemplares); a Editora Gráfica Universal; a gravadora Line Records e os portais R7 e Arca Universal (oficial da IURD).

Macedo, entretanto, não é o único. Nomes como R. R. Soares (Igreja Internacional da Graça de Deus), Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus) e Silas Malafaia (Assembleia de Deus) possuem grande prestígio no televangelismo brasileiro também.

Espiritismo blockbuster

Outro nicho que tem sido bastante explorado pela indústria de entretenimento no Brasil é o de produtos ligados à doutrina espírita. No mercado literário, as obras psicografadas de Chico Xavier até hoje têm grande demanda. Mais recentemente, a médium Zíbia Gasparetto também ganhou notoriedade com suas psicografias.

Mas foi no cinema e na TV que as produções espíritas se tornaram um grande filão. Os longas Chico Xavier e Nosso Lar superaram os R$ 30 milhões em faturamento. Na rede Globo, uma série de novelas de cunho espiritualista tem sido veiculada há bastante tempo com bons índices de audiência e, nos últimos anos, elas ganharam lugar quase que cativo na programação. Amor, eterno amor, no ar atualmente no horário das seis, é um exemplo.

Namoro evangélico

Antenados nas tendências tecnológicas, mas fiéis à fé religiosa, alguns usuários evangélicos do site de namoro ParPerfeito não conseguiam ali o que queriam, e se viam constantemente em conflito com suas convicções. Atento a esse retorno, o Grupo Match, responsável pelo site, resolveu criar uma versão segmentada do canal apenas para o público evangélico. Assim nasceu, em 2009, o Divino Amor.

“Atualmente, temos 1,5 milhão de evangélicos cadastrados e uma média de dois mil novos usuários por mês. A maioria são homens, 51%, contra 49% de mulheres. No site eles podem realizar buscas pelas mais diversas características como, por exemplo, perfil, cor de olhos e cabelos, etc.”, conta Claudio Gandelman, presidente do Match na América Latina.

Garantir um ambiente adequado aos princípios do público exige acompanhamento constante. “Para garantir a segurança, realizamos o monitoramento de 100% das fotos e textos publicados. Imagens e frases inadequadas não entram no site, pois tudo passa por uma triagem, que é aprovada antes de ser publicada. Não permitimos palavrão nem fotos picantes, não existe menção a drogas e nem campo relativo ao consumo de bebida”, destaca Gandelman.

Os tradicionais

Embora os neopentecostais e os carismáticos tenham sido os responsáveis pelo boom midiático da fé nas últimas décadas, eles não inventaram esse mercado. A prática religiosa sempre esteve atrelada à atividade de divulgação e, em um país com as dimensões do Brasil, os livros, periódicos, a música, o rádio e a televisão foram e são grandes instrumentos de envangelização. Com o objetivo de viabilizar produções nesses formatos, aos poucos foram surgindo editoras, gravadoras e emissoras especializadas, ligadas ou não a igrejas.

Dois exemplos são as editoras Paulus, ligada à igreja Católica, e a Mundo Cristão, independente. “Em 1914, o Padre Tiago Alberione deu início à Escola Tipográfica Pequeno Operário, na cidade de Alba, na Itália, que mais tarde seria chamada de Pia Sociedade de São Paulo (Paulus), instituição religiosa que tem por missão evangelizar com a ajuda da imprensa e dos meios multimidiáticos. Em 1931, ela chegou ao Brasil, dando assim início à missão da Paulus no país”, conta o padre Zulmiro Caon, diretor de marketing da Paulus do Brasil.

Já a Mundo Cristão foi criada em 1968, inicialmente como uma revista mensal. No segundo ano de vida, entretanto, passou a responder pela publicação de livros religiosos. “A Mundo Cristão publica livros com temas religiosos ou não, desde que o conteúdo esteja alinhado com a cosmovisão cristã. Por exemplo, publicamos desde um dicionário de teologia até um livro de gestão, caso este tenha influência dos valores cristãos”, explica Renato Fleischner, diretor de operações da editora.

A Paulus tem uma das edições mais populares da Bíblia no Brasil e foi responsável pelo lançamento do Padre Zezinho nos anos 1970, o primeiro padre cantor a conseguir sucesso de massa no país, hoje considerado um dos maiores fenômenos da música cristã no mundo. Já a Mundo Cristão trabalha com inúmeros títulos de autores internacionais, entre os quais o pastor norte-americano Max Lucado, best-seller mundial de livros cristãos.

Administrando

Longe dos holofotes, as empresas que atuam no mercado religioso são iguais a quaisquer outras, com os mesmos desafios. Por exemplo, como manter-se no mercado de livros no Brasil, que tem um dos piores índices de leitura no mundo? “Atuamos como uma estratégia agressiva de precificação e comunicação, sustentada por tiragens elevadas que permitem maior acessibilidade do leitor ao produto. Possuímos também grande rede de distribuição de canais religiosos e não religiosos, facilitando a aquisição dos nossos livros”, explica Fleischner, da Mundo Cristão.

O executivo conta ainda que a equipe é formada por cristãos, mas que isso não basta para garantir espaço em um mercado cada vez mais disputado. “Por si só, este fato não é suficiente para compreendermos as necessidades do público. Com frequência, participamos de eventos e mantemos diálogos com os principais atores do segmento para sempre estarmos com o dedo no pulso da comunidade cristã”, conta Fleischner.

“De abril de 2011 a março de 2012, comercializamos 3,865 milhões de exemplares de livros. Esperamos concluir o ano com 4 milhões nesse número e R$ 28 milhões em faturamento”, conta o diretor. “Nossas vendas não param de aumentar”, complementa.

Na Paulus, as expectativas também são boas. “Nos últimos anos temos superado as nossas projeções. Fechamos 2011 com um crescimento de vendas entre 5% e 10%”, afirma Zulmiro Caon. “Na medida do possível, estamos nos organizando para superar essas metas este ano, sem nunca esquecer que somos uma empresa promotora de valores sociais, humanos e éticos”, conclui o diretor de marketing.

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