O pequeno poder torna as pessoas mais cruéis e grosseiras
10/3/11 10:03 AMPor Lucy Kellaway
Na semana passada, estive no escritório de uma conhecida companhia para entrevistar seu presidente-executivo. Na recepção, um segurança me deu um crachá mas não me deixou passar pela catraca, alegando que eu havia prendido o crachá em minha bolsa, e não em meu casaco.
Quando fiz o que pedia, ele me deixou entrar, mas não sem antes me alertar, irritado, de que eu não poderia sair se o crachá não fosse devolvido intacto. Do outro lado da barreira, o CEO esperava, cheio de charme e cortesia.
O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente, conforme escreveu Lord Acton de maneira memorável. Mas acho que ele não estava completamente certo. Na minha opinião, o poder pode corromper, mas o poder absoluto corrompe bem menos que o poder parcial – conforme demonstra o caso envolvendo o segurança e o presidente-executivo.
Essa tese é sustentada por um novo estudo que mostra que as pessoas que têm um pouco de poder, mas não possuem status, podem se comportar de maneira grosseira e ter prazer humilhando os outros.
O estudo, que será publicado no “Journal of Experimental Social Psychology”, descreve uma experiência em que estudantes foram orientados a dar ordens a outros. Aqueles designados para funções mais modestas tenderam a se deliciar ao forçar pessoas a fazerem coisas humilhantes – como fazê-las latir como um cachorro -, enquanto aqueles que receberam um status mais elevado trataram as pessoas com mais respeito.
Ler essa experiência me levou direto para uma cena de tortura e crueldade ocorrida seis semanas atrás no aeroporto de Heathrow. Eu havia chegado absurdamente cedo para embarcar meu filho em um voo para os Estados Unidos. Mas, após uma espera interminável no balcão da Delta, descobri que havia esquecido de conseguir um visto eletrônico para ele.
Então, teve início uma peregrinação pelo aeroporto na busca por um computador para digitar as informações e, finalmente, conseguir o visto. Depois, corremos de volta para o check-in, onde um homem com um walkie-talkie olhava para seu relógio. Ainda faltavam 58 minutos para o avião decolar, mas ele gesticulou com a cabeça: tarde demais. Meu filho começou a chorar. Eu implorei, humilhei-me e teria facilmente latido como um cachorro.
“Sinto muito, madame”, disse ele com a voz menos pesarosa que já ouvi. Em seus olhos havia um brilho sádico. Ao relatar isso, não estou dizendo que todas as pessoas com funções mais modestas gostam de tiranizar uma mãe incompetente e histérica; alguns deles são muito gentis.
No entanto, há uma síndrome assolando as pessoas com cargos mais baixos que tende a ser subestimada na teoria administrativa. Frequentemente observamos que as pessoas no topo da hierarquia são tiranas, mas nos esquecemos de que as pessoas que estão mais abaixo na pirâmide podem ser ainda mais. O que não se trata realmente de uma surpresa: se eu fosse segurança ou trabalhasse no inferno de Heathrow, também seria muito malvada.
Os pesquisadores afirmam que a melhor maneira de desencorajar a tirania nos escalões mais baixos é ter certeza de que os cargos não serão um beco sem saída e que será possível progredir na empresa. Não concordo. As pessoas mais grossas com quem trabalhei eram administradores menos graduados, empenhados em subir na hierarquia.
Lembro-me de um determinado homem com quem trabalhei brevemente quando tinha meus 20 e poucos anos. Ele estava apenas um degrau acima de mim, mas, mesmo assim, costumava se deliciar lendo em voz alta os erros dos meus textos para que toda a redação ouvisse.
Hoje ele tem, de fato, um belo cargo e é bem menos desagradável. Encontrei-o em uma festa outro dia e ele até chegou a fazer uma piada consigo mesmo. É verdade que nem todo mundo fica mais civilizado quando sobe na hierarquia. Gordon Brown não ficou mais polido por causa da experiência no poder. Assim como Joseph Stalin.
Mas, para a maioria das pessoas, o sucesso parece significar que elas ficaram mais visivelmente agradáveis. Elas são mais confiantes e não dão tantas cotoveladas. Seus cargos são mais interessantes e todos os bajulam. Como se isso tudo não fosse suficiente, sempre há o consolo da remuneração estratosférica.
O poder absoluto não torna boas as pessoas ruins, mas há menos necessidade de ser desagradável apenas por diversão. A corrupção funciona de uma maneira diferente no topo: as pessoas realmente poderosas desaparecem em uma névoa de vaidade de tal forma que as outras pessoas não são importantes o suficiente para serem torturadas ou merecer consideração.
Se alguém duvida disso, posso citar outra pesquisa que será publicada em breve pela Organisational Behaviour and Human Decision Processes. Ela prova que os poderosos não prestam atenção nas outras pessoas. A única surpresa aqui é que foram precisos quatro acadêmicos da Universidade de Nova York e dois anos e meio para se chegar a uma conclusão que todo mundo já conhecia.
A britânica Lucy Kellaway é jornalista do Financial Times. Na coluna Banda Executiva, ela comenta, com bom humor, perspicácia e ironia, diversos assuntos relacionados ao mundo corporativo e à vida executiva como a gestão de pessoas, o dia a dia no escritório e os modismos na área de recursos humanos. Lucy Kellaway também é autora de livros como “Sense and Nonsense in the Office”, “Who Moved My BlackBerry” e “In Office Hours” e recebeu, em 2006, o prêmio de colunista do ano pelo British Press Awards.
Fonte: Valor Econômico
* Colaboração Eduardo Chaves
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