Eduardo Campos: tão perto e tão longe
"Há dois grandes circos armados por Deus: a vida e a morte. Os que têm fé afirmam que o da morte é limpo, asseado. Já a realidade é uma velha atriz cansada, com a maquilagem agressiva e a mania de dar más notícias”
Desde ontem, terça-feira, 12 de agosto, escrevi e apaguei três vezes um comentário que estava tentando fazer sobre a participação de Eduardo Campos no Jornal Nacional. Minha impressão foi de que os entrevistadores estavam mais preocupados com o efeito retórico de suas perguntas do que com os impactos das respostas para os eleitores. Queria dizer também que fiquei com a sensação de que os questionamentos, com construções e entonações temperadas com estupidez e fanfarronice, podem ter contribuído para irritar quem sabia do que eles estavam falando e enganar quem não sabia. Mas, agora, nada disso fará mais muito sentido.
Não fará sentido porque ninguém vai se importar com isso agora. E não fará sentido porque aquela noite ficará para sempre nos arquivos da história por outros motivos. O primeiro deles é o fato de ter sido o último registro de uma aparição pública de Eduardo Campos. Mas, mais que isso, foi um paradoxal adeus, que jamais poderia ser cogitado, nem mesmo pelo mais exímio leitor de entrelinhas, naquela que foi a primeira vez em que pode falar, sem as firulas das peças publicitárias, diretamente para todos os brasileiros. O país custou a acreditar e parece ter entrado em um estado de choque coletivo. Mas aquele acredito no Brasil era um estou indo embora.
Aquele avião que caiu em Santos era o de Eduardo Campos. Não, na verdade, é o que estão dizendo, mas não dá para saber ainda se é verdade. É, realmente, era o avião dele, mas ninguém sabe ainda se ele estava dentro. Disseram que algumas pessoas sobreviveram. Os aliados estão preocupados e confirmaram que desde o início da manhã não têm contato com o candidato. Tem um jornal e uns canais dizendo que ele morreu mesmo. Um deputado do partido confirmou. Morreu.
O luto pela morte de Eduardo foi para o primeiro lugar dos trending topics do Twitter, os canais de TV suspenderam a programação para cobrir o caso, os portais só estamparam notícias sobre esse assunto e, nos feeds de notícias do Facebook, nenhuma outra coisa conseguiu atenção.
Até agora, os motores de busca e monitores de redes sociais da equipe de comunicação da campanha do PSB devem estar catalogando cada palavra que é dita sobre o partido, a candidatura e, consequentemente, mesmo que sem querer, a tragédia. Burros, como toda máquina, devem estar explodindo em notificações de que as ações de ontem foram bem sucedidas. Não deu tempo de desligar.
Hoje deveria ser um dia de avaliação e estratégia. O dia seguinte àquele em que o candidato chegou mais perto. O amanhã do ontem em que entrou na casa dos brasileiros para conversar tête-à-tête e colocar sua desenvoltura de quem nasceu e se criou na política a serviço de seu maior desafio.
Sem sombra de dúvidas, nunca escreveram, falaram, leram ou ouviram tantas vezes o nome Eduardo Campos em um intervalo de tempo tão curto. Quem, até hoje, só sabia que ele era uma foto que aparecia na terceira posição dos gráficos das pesquisas de intenção de votos, agora sabe um pouco mais e – não duvido – pensa que até poderia vir a lhe dar seu voto.
No fim das contas, com exceção da tragédia, hoje aconteceu tudo que Eduardo Campos mais queria, mas jamais poderia – com a racionalidade que lhe parecia peculiar – considerar factível.
Já fiz várias críticas a certas posturas suas e não pretendia, pelo menos em primeiro turno, votar nele. Desconfiava do seu modus-operandi político agregador, que arregimentou quase todos os políticos de Pernambuco para sua base. E via uma grande contradição em seu discurso fervorosamente crítico a práticas das quais ele mesmo não conseguiu ou quis fugir.
Mas dei o braço a torcer, também, para reconhecer seus méritos. Foi um bom administrador, que contribuiu bastante para elevar o patamar da educação em Pernambuco, por exemplo. No âmbito partidário, deu relevância ao PSB, que deixou de ser um partido nanico, cresceu expressivamente em todo o país e chegou a 2014 como uma ameaça forte à hegemonia PT/PSDB no Brasil, que já dura 20 anos.
Minha relação com sua figura é um tanto esquizofrênica. Mas, ao mesmo tempo, acredito que suficientemente racional ao ponto de não permitir paixões nem ódios. Nesse momento de dor, a única coisa que me compete é o respeito.
Como escreveu seu pai, o escritor Maximiano Campos, no conto As Feras Mortas, “há dois grandes circos armados por Deus: a vida e a morte. Os que têm fé afirmam que o da morte é limpo, asseado. Mas ninguém, ainda, conseguiu sair dele e voltar para contar”. Já a realidade “é uma velha atriz cansada, com a maquilagem agressiva e a mania de dar más notícias”.
E ele continua, dizendo que no circo da vida “obrigam a gente a entrar na jaula do leão, dar saltos mortais, aplaudir os palhaços, ser o palhaço, e tudo isso sem repouso, mudando sempre de lugar”.
Agora, nem mais ator, palhaço, domador de leões ou dono do circo. Foi embora do picadeiro. Sumiu no escuro da cúpula da tenda quando subia para seu último salto. Ali, tão perto. Tão longe. Mortal.