'Faxina' faz Dilma repetir prestígio de Lula no exterior
Um perfil elogioso da presidente Dilma Rousseff na revista
americana The New Yorker confirmou, na semana passada, o que já estava claro
para o mundo político: ela está conseguindo, também fora do País, tornar-se uma
figura de sucesso - como havia conseguido, antes dela, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. E se este sobreviveu, por força de seu carisma, a
episódios como os do mensalão, dos aloprados e a infindáveis alianças
clientelistas, ela se vale da imagem de racionalidade. É aplaudida por demitir
ministros que, afinal, ela própria escolheu.
'A imagem que ela passa lá fora é de uma dona de casa pondo
ordem nas coisas', resume o cientista político Amaury de Souza, diretor da MCM
Consultores. Ao que outro estudioso, Humberto Dantas, acrescenta: 'É também o
que percebe o público interno: que ela está, enfrentando os problemas e
demitindo os ministros acusados'.
Para a maioria do eleitorado, é o que basta, lembra Dantas,
sociólogo e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). 'Grande parte
dos cidadãos tem uma visão simplista do quadro político. O ministro é tirado, o
problema está resolvido.' Não vem ao caso, para esses brasileiros, questionar o
modelo de governo ou o sentido das alianças formadas. E a própria imprensa
'reforça a ideia de que Dilma herdou um ministério podre'.
Mas são diferentes, adverte Dantas, os caminhos do sucesso de
Lula e Dilma. 'Ele não era afetado por críticas porque tinha enorme carisma.
Ela, que não o tem, vale-se da força da racionalidade. Uma racionalidade de quem
vai vendo os erros e consertando.' Encaixa com a percepção externa. Para a New
Yorker, a presidente 'tem-se mostrado muito mais intolerante com a corrupção do
que presidentes do passado'. No mesmo tom, a Newsweek a brindou, na semana em
que ela estreou na Assembleia Geral da ONU, com um perfil e um conselho na capa:
'Não mexam com Dilma'.
Cobranças. Não que a imprensa estrangeira não faça cobranças -
mas elas , até o momento, são breves e cautelosas. O jornal The Financial Times,
por exemplo, completou um elogio ao sucesso econômico do Brasil, em agosto,
afirmando que a presidente 'precisa declarar guerra à excessiva burocracia que
alimenta a corrupção'. E a Economist sugeriu, há dez dias, que Dilma 'poderia
dar-se o luxo de ser mais radical' na sua faxina.
Um raro momento de atrito ocorreu em agosto, quando a mesma
Economist opinou que os escândalos estavam 'criando fissuras em sua precária
coalizão'. Dilma não esperou para dar o troco. Já no dia seguinte considerou 'um
ótimo sinal' as revistas estrangeiras se mostrarem preocupadas com o Brasil.
Pragmatismo. São variadas as explicações para o êxito da
presidente em pairar acima dos malfeitos ministeriais, sem ser por eles
arrastada. 'O grande motivo para a imagem de corrupção não pegar nela é, como
sempre, a economia', resume o sociólogo Rudá Ricci, diretor do Instituto Cultiva
e professor da PUC de Minas Gerais.
A população é pragmática, diz ele. Não vai criticar um governo
'que lhe garante os atuais níveis de emprego e ascensão social'. É um fenômeno
que se repete ao longo da história: 'Em todos os países onde ocorreram esses
períodos de ascensão e inclusão social, a população se tornou conservadora e
pragmática'.
Mas consolida o cenário favorável à presidente, segundo Ricci,
o fato de que para muitos brasileiros a corrupção em altos escalões é parte da
paisagem. Ele menciona, a propósito, uma pesquisa do Ibope, cerca de um ano
atrás, segundo a qual 65% da população convive pacificamente com irregularidades
na vida pública. 'Na pesquisa, 75% revelaram que, se estivessem no governo,
admitiriam cometer algum tipo de ato ilícito', diz Ricci.
Amaury de Souza acrescenta, às virtudes presidenciais, a força
da propaganda oficial. 'No Brasil de hoje é fácil passar à opinião pública a
ideia de que a governante não está envolvida, que ela é vítima, e não cúmplice.
Não é à toa que o Planalto gasta uma fortuna em comunicação, ou que fatos graves
sejam chamados apenas de malfeitos.' De acordo com ele, 'um malfeito se corrige
demitindo o ministro, sem se questionar o modelo nem processar o demitido'.
Mas Rudá Ricci entende que as atuais vantagens da presidente
podem ter prazo de validade - e cita, para tanto, a própria New Yorker. É que
ela ouviu também, na reportagem, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que
se mostrou compreensivo com as dificuldades da presidente para levar adiante a
'faxina'. 'Não sei se ela sabe o quanto é difícil fazer essa limpeza', comentou
FHC. 'Lula aconselhou-a a não ir tão rápido. Na verdade, talvez ele tenha
razão.'
'O que FHC disse é que há uma ruptura entre a voz das ruas,
que lhe garante popularidade, e os acordos políticos, que garantem
governabilidade', pondera o sociólogo mineiro. Sua avaliação é que, não tendo o
poder de Lula para controlar as forças políticas, nem um interlocutor de peso -
pois tanto Ideli Salvatti quanto o secretário-geral Gilberto Carvalho são
estranhos a tal papel - Dilma pode enfrentar sérios obstáculos num quadro
econômico futuro não tão calmo quanto o de agora. Um dos cenários possíveis,
para ele: 'No limite, ela pode manter a popularidade mas resvalar para o terreno
da desinstitucionalização'.
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