Lições da selva: o que Ingrid Betancourt tem a ensinar sobre a vida
Seis anos presa pelas Farc. Quatro deles acorrentada pelo pescoço a uma árvore. A história da ex-política franco-colombiana surpreendeu o mundo e provocou uma comoção internacional. Em palestra no Brasil, ela contou detalhes dessa experiência e fez uma emocionante reflexão sobre os verdadeiros valores da vida
Ano: 2002. A então ex-senadora e candidata presidencial colombiana Ingrid Betancourt percorria o país dedicada à luta contra a corrupção. Ativista ambiental e contrária ao cartel das drogas, ganhou inimigos poderosos como os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Os mesmos que a sequestraram e a mantiveram prisioneira ao longo de vários anos na selva da Colômbia.
Nesse período, ela conviveu em meio à fome, à doença, às degradantes condições impostas pelos sequestradores e a incerteza de não ter um dia seguinte. Decidida a recuperar sua liberdade a qualquer custo, Ingrid tentou escapar diversas vezes, sendo constantemente recapturada pela guerrilha e sofrendo severas punições pelas tentativas.
Ano: 2008. Depois de uma ousada operação de resgate pelo exército colombiano, Ingrid Betancourt e mais 14 reféns foram libertados. Batizada de Operação Jaque, membros do exército se infiltraram dentro das Farc e realizaram um resgate de helicóptero digno dos grandes filmes de ação.
A mulher que mobilizou o mundo e ficou seis anos e meio desaparecida na selva colombiana, agora, está de volta. Nos últimos 24 meses, ela trabalhou no livro "Não há silêncio que não termine", o que significou voltar diariamente para suas experiências como refém. Além disso, Ingrid também é uma das palestrantes mais requisitadas no mundo e inspira a todos com sua incrível força e capacidade de dar a volta por cima.
Em uma palestra cheia de emoção e revelações marcantes, no Fórum Internacional de Gestão, Estratégia e Inovação, realizado em Natal (RN), Ingrid fez reflexões sobre liberdade, poder e a capacidade humana de enfrentar seus maiores desafios.
Experiência
"Na realidade, aceitar o sequestro demorou muito. Sempre tive claro que eu seria libertada. Pensava: 'eles devem estar negociando', 'algo vai acontecer', 'eu ficarei livre logo'", conta Ingrid sobre o período em que ficou na selva. Mas isso não aconteceu e depois do primeiro ano com as Farc ela sabia que teria que lutar pela sua liberdade.
"Na floresta amazônica, tentei várias tentativas de fuga. Na terceira, o comandante quis me castigar [...]. Eu fiquei quatro anos com uma corrente presa no meu pescoço que ficava amarrada na outra ponta a uma árvore", descreve.
No entanto, Ingrid resistiu bravamente, lidando com a situação-limite. Ela aprendeu a negociar diariamente com os guerrilheiros, mostrando frieza e capacidade de improvisação. "Lá você perde todas as formas de agir sobre pequenos detalhes que satisfazem o essencial da vida. Tem que ter permissão para ir ao banheiro, permissão para falar com outro refém, para escovar os dentes, usar papel higiênico, tudo é uma negociação. Se sentirem qualquer resistência, você não consegue o que quer", relata.
A colombiana conta que um dos momentos mais marcantes desse período foi quando soube que seu pai, Gabriel Bittencourt, tinha falecido. "Nós comíamos basicamente arroz e feijão. No entanto, teve um dia que chegou ao acampamento repolhos que estavam enrolados em um papel de jornal. Pedimos permissão para ler o jornal e foi logo com a primeira página que soube da notícia", conta. Emocionada, ela diz que na hora pensava que morreria, mas que depois desse fato precisava ser mais forte para suportar essa situação.
Atitude
Ingrid frisa que apesar de ter sido privada de tudo, ela tinha a liberdade fundamental de decidir como agiria e quais emoções transmitira. "Há momentos em que temos que dizer não. E apesar de sentirmos que o mundo está desmoronando, temos que dar a volta por cima [...]. É nesses momentos que precisamos sair da zona de conforto", destaca Ingrid.
E com esse pensamento, ela fez sua decisão: havia certos princípios que ela não cederia. Ela não iria, por exemplo, responder a um número - uma decisão que enfureceu seus colegas prisioneiros. Durante a contagem dos reféns pelos guerrilheiros, quando o seu número foi chamado, ela disse: "Ingrid Bitencourt! Quando você quer saber se eu ainda estou aqui, você pode me chamar pelo meu nome e eu vou responder".
Apesar de ter sido questionada pelos próprios prisioneiros sobre a atitude, ela destacou aquilo como vital para que todos tivessem consciência de que eles eram pessoas. Seu protesto deu resultado e os nomes (ao invés de números) foram aceitos pelo comandante guerrilheiro. "Podemos ser aquilo que desejamos ser. Temos que buscar aquilo que queremos ser. Essa é a melhor definição de liberdade", afirma.
Superação
Um dos segredos de Ingrid para enfrentar essa situação foi tentar superar as adversidades."Você não domina o seu medo. Você não é capaz de dizer que não vai ter medo. Mas, mesmo assustada, você pode fazer isto e isto e isto", conta.
Longe da selva amazônica e dos guerrilheiros há três anos, Ingrid Betancourt demonstrou uma capacidade surpreendente de superação diante da plateia brasileira de dois mil participantes. Apesar de ter sofrido em cativeiro, ela afirma que não guarda rancor e declara: "antes de tentarmos transformar o mundo, precisamos transformar primeiro o nosso próprio coração".
Aprendizado
Ingrid Bettancourt conta que sua experiência na selva trouxe uma sede de transformação e ela passou a dar mais valor para tudo no seu dia a dia – tanto às coisas grandes, quanto às pequenas. "Até a maneira de acordar pela manhã, do que eu visto, as pessoas com quem eu converso. Tem pequenos gestos que podem fazer a diferença", afirma.
E ela ensina como começar a fazer isso: "Precisamos globalizar o amor e não a violência [...]. Nós somos capazes de transformar o ambiente e isso deve começar com a própria família".
A colombiana comparou o ser humano com um enlatado, no entanto, capaz de mudar os próprios ingredientes daquilo que somos. "Nós podemos diminuir a porção da impaciência, mudar a inveja, mudar a timidez". De acordo com Ingrid, esse é o caminho para sermos pessoas melhores.
Nesse período, ela conviveu em meio à fome, à doença, às degradantes condições impostas pelos sequestradores e a incerteza de não ter um dia seguinte. Decidida a recuperar sua liberdade a qualquer custo, Ingrid tentou escapar diversas vezes, sendo constantemente recapturada pela guerrilha e sofrendo severas punições pelas tentativas.
Ano: 2008. Depois de uma ousada operação de resgate pelo exército colombiano, Ingrid Betancourt e mais 14 reféns foram libertados. Batizada de Operação Jaque, membros do exército se infiltraram dentro das Farc e realizaram um resgate de helicóptero digno dos grandes filmes de ação.
A mulher que mobilizou o mundo e ficou seis anos e meio desaparecida na selva colombiana, agora, está de volta. Nos últimos 24 meses, ela trabalhou no livro "Não há silêncio que não termine", o que significou voltar diariamente para suas experiências como refém. Além disso, Ingrid também é uma das palestrantes mais requisitadas no mundo e inspira a todos com sua incrível força e capacidade de dar a volta por cima.
Uma das poucas fotos divulgadas de Betancourt no cativeiro (2007) |
Em uma palestra cheia de emoção e revelações marcantes, no Fórum Internacional de Gestão, Estratégia e Inovação, realizado em Natal (RN), Ingrid fez reflexões sobre liberdade, poder e a capacidade humana de enfrentar seus maiores desafios.
Experiência
"Na realidade, aceitar o sequestro demorou muito. Sempre tive claro que eu seria libertada. Pensava: 'eles devem estar negociando', 'algo vai acontecer', 'eu ficarei livre logo'", conta Ingrid sobre o período em que ficou na selva. Mas isso não aconteceu e depois do primeiro ano com as Farc ela sabia que teria que lutar pela sua liberdade.
"Na floresta amazônica, tentei várias tentativas de fuga. Na terceira, o comandante quis me castigar [...]. Eu fiquei quatro anos com uma corrente presa no meu pescoço que ficava amarrada na outra ponta a uma árvore", descreve.
No entanto, Ingrid resistiu bravamente, lidando com a situação-limite. Ela aprendeu a negociar diariamente com os guerrilheiros, mostrando frieza e capacidade de improvisação. "Lá você perde todas as formas de agir sobre pequenos detalhes que satisfazem o essencial da vida. Tem que ter permissão para ir ao banheiro, permissão para falar com outro refém, para escovar os dentes, usar papel higiênico, tudo é uma negociação. Se sentirem qualquer resistência, você não consegue o que quer", relata.
A colombiana conta que um dos momentos mais marcantes desse período foi quando soube que seu pai, Gabriel Bittencourt, tinha falecido. "Nós comíamos basicamente arroz e feijão. No entanto, teve um dia que chegou ao acampamento repolhos que estavam enrolados em um papel de jornal. Pedimos permissão para ler o jornal e foi logo com a primeira página que soube da notícia", conta. Emocionada, ela diz que na hora pensava que morreria, mas que depois desse fato precisava ser mais forte para suportar essa situação.
Foto: divulgação | |||
"Precisamos globalizar o amor e não a violência" | |||
Atitude
Ingrid frisa que apesar de ter sido privada de tudo, ela tinha a liberdade fundamental de decidir como agiria e quais emoções transmitira. "Há momentos em que temos que dizer não. E apesar de sentirmos que o mundo está desmoronando, temos que dar a volta por cima [...]. É nesses momentos que precisamos sair da zona de conforto", destaca Ingrid.
E com esse pensamento, ela fez sua decisão: havia certos princípios que ela não cederia. Ela não iria, por exemplo, responder a um número - uma decisão que enfureceu seus colegas prisioneiros. Durante a contagem dos reféns pelos guerrilheiros, quando o seu número foi chamado, ela disse: "Ingrid Bitencourt! Quando você quer saber se eu ainda estou aqui, você pode me chamar pelo meu nome e eu vou responder".
Apesar de ter sido questionada pelos próprios prisioneiros sobre a atitude, ela destacou aquilo como vital para que todos tivessem consciência de que eles eram pessoas. Seu protesto deu resultado e os nomes (ao invés de números) foram aceitos pelo comandante guerrilheiro. "Podemos ser aquilo que desejamos ser. Temos que buscar aquilo que queremos ser. Essa é a melhor definição de liberdade", afirma.
Superação
Um dos segredos de Ingrid para enfrentar essa situação foi tentar superar as adversidades."Você não domina o seu medo. Você não é capaz de dizer que não vai ter medo. Mas, mesmo assustada, você pode fazer isto e isto e isto", conta.
Longe da selva amazônica e dos guerrilheiros há três anos, Ingrid Betancourt demonstrou uma capacidade surpreendente de superação diante da plateia brasileira de dois mil participantes. Apesar de ter sofrido em cativeiro, ela afirma que não guarda rancor e declara: "antes de tentarmos transformar o mundo, precisamos transformar primeiro o nosso próprio coração".
Aprendizado
Ingrid Bettancourt conta que sua experiência na selva trouxe uma sede de transformação e ela passou a dar mais valor para tudo no seu dia a dia – tanto às coisas grandes, quanto às pequenas. "Até a maneira de acordar pela manhã, do que eu visto, as pessoas com quem eu converso. Tem pequenos gestos que podem fazer a diferença", afirma.
E ela ensina como começar a fazer isso: "Precisamos globalizar o amor e não a violência [...]. Nós somos capazes de transformar o ambiente e isso deve começar com a própria família".
A colombiana comparou o ser humano com um enlatado, no entanto, capaz de mudar os próprios ingredientes daquilo que somos. "Nós podemos diminuir a porção da impaciência, mudar a inveja, mudar a timidez". De acordo com Ingrid, esse é o caminho para sermos pessoas melhores.
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