A lição australiana sobre gastar e poupar
A Austrália economiza em tempos de bonança, gasta em épocas de crise e, assim, está há 20 anos sem saber o que é uma recessão
Sydney: assim como o Brasil, a Austrália possui uma das maiores reservas de recursos naturais do mundo
São Paulo - Quem acompanha o noticiário econômico da Austrália pode, às vezes, ter a impressão de estar lendo uma versão em inglês de informações sobre a economia brasileira. Fala-se muito em exportação de commodities para a Ásia e do medo da desaceleração chinesa.
Da valorização da moeda local e do receio de uma devastadora desindustrialização. Da crise de confiança provocada pelos países da zona do euro e da necessidade de reduzir a taxa de juro. É uma pena que a lista de semelhanças pare por aí.
Na Austrália, o governo limitou o crescimento do gasto público a 1% ao ano em termos reais até que o orçamento volte a ter superávit, o que é esperado para 2013. Quando a meta for atingida, o aumento anual dos gastos terá como teto 2%.
Enquanto isso, no Brasil, o governo segue pelo caminho oposto: anuncia compras governamentais das mais variadas (de cadeiras escolares a vagões de trens), que somam 8 bilhões de reais, e novas rodadas de isenção fiscal a setores como o automotivo.
De acordo com os economistas Samuel Pessoa, da FGV, e Mansueto Almeida, do Ipea, o gasto público federal real cresceu, em média, à taxa de 7,3% ao ano de 1999 a 2009. E não há sinal de mudanças à vista. Infelizmente, ninguém no governo brasileiro está prestando atenção na aula que a Austrália tem dado nos últimos anos em termos de política macroeconômica.
Antes do estouro da crise mundial em 2008, o governo australiano teve uma década de superávit nas contas públicas. Veio a freada da economia global e o Ministério das Finanças agiu rapidamente. “Seu mérito foi ser certeiro no timing”, diz Werner Schule, vice-diretor do Fundo Monetário Internacional para o Pacífico.
Não por acaso, Wayne Swan, ministro das Finanças australiano, foi eleito o mais destacado do mundo em 2011 pela revista Euromoney. Swan lançou o primeiro pacote para reanimar a economia em outubro de 2008. Até meados de 2010, gastou o equivalente a 4,3% do PIB australiano com estímulos fiscais, acima da média do G20, que reúne as maiores economias.
Pequenas empresas foram isentas de impostos, investimentos na construção civil tiveram apoio e, em algumas circunstâncias, os trabalhadores chegaram a receber dinheiro para consumir. Ainda que tenha se destacado pela maneira rápida com que aumentou a liquidez, o maior mérito do governo australiano foi retirar os estímulos — tarefa bem menos simpática do que a de distribuir benesses.
Foi um dos primeiros a elevar as taxas de juro em 2009, exatamente um ano depois de começar a cortá-las — recentemente, houve novas quedas. Além disso, logo abriu a cartilha da disciplina fiscal. O governo segue a regra de poupar nas épocas favoráveis para gastar em tempos ruins, estratégia conhecida como anticíclica — tão falada e tão pouco praticada por aqui.
“Assim como foi correto apoiar a demanda quando a situação piorou, é certo dar espaço para o setor privado crescer agora que o ambiente melhorou”, disse Swan, num discurso. “Não dá para ser keynesiano na baixa e deixar de ser na alta”, completou, em referência ao economista britânico John Maynard Keynes, notório defensor de políticas anticíclicas.
Quando a economia mundial entrou em recessão em 2009, o PIB australiano cresceu 1,4%. Nos últimos cinco anos, a economia cresceu, em média, 2,6%, o que pode parecer pouco na comparação com os países emergentes, mas é um feito para uma economia madura.
Nos últimos dez anos, a fatia australiana no PIB dos países ricos mais que dobrou — saiu de 1,5% para 3,6%. Talvez mais importante seja a resistência da economia australiana: há duas décadas não sofre uma recessão. A sorte dos australianos vai além do fato de terem algumas das maiores reservas de recursos naturais do mundo. Lá o governo faz sua parte.
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