TAI NALON
DE BRASÍLIA
O Ministério da Educação passou a computar entre os alunos do Ciência sem Fronteiras, programa de estudo no exterior, os bolsistas regulares da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão de incentivo à pesquisa.
A maquiagem ocorre há pelo menos um mês e meio, mas, na sexta-feira passada, a Capes informou aos bolsistas de seus programas regulares que eles seriam oficialmente migrados para o Ciência sem Fronteiras se fossem "elegíveis", isto é, se estivessem dentro dos critérios de seleção do programa.
No comunicado, a Capes diz que a migração é para "fins operacionais", "com o objetivo de oferecer isonomia no tratamento dispensado aos seus beneficiários".
O PROGRAMA
Lançado em 2011, o Ciência sem Fronteiras é a menina dos olhos da presidente Dilma, que estabeleceu a meta de enviar 101 mil bolsistas para o exterior até 2015. O objetivo é considerado irrealista, reservadamente, por envolvidos em sua execução.
A Capes mesmo já disse ter dificuldades estruturais para cumpri-lo: antes do programa, tinha cerca de 4.000 bolsistas. Até fevereiro, já haviam sido concedidas 22.646 bolsas do Ciência sem Fronteiras, das quais 19.601 começaram a ser pagas.
O programa está sob responsabilidade de Aloizio Mercadante (Educação), que o lançou quando era titular do Ministério da Ciência e Tecnologia. Ele aspira concorrer ao governo paulista ou assumir a Casa Civil em 2014.
As bolsas regulares e o Ciência sem Fronteiras oferecem remuneração semelhante, mas a seleção e a aceitação internacional são diferentes. O programa também engloba uma parcela menor das áreas de conhecimento, ao praticamente excluir as ciências humanas.
Parte expressiva das 19.601 bolsas implementadas pelo programa até agora pode ser de alunos que não foram selecionados por meio dele.
A Folha cruzou nomes de estudantes aprovados nos editais de doutorado regular da Capes no exterior com a lista de alunos do Ciência sem Fronteiras disponível no site oficial do programa.
Em 2012, foram 280 aprovados no programa regular de doutorado fora do país. Pelo menos 60 desses estudantes constavam da lista de bolsistas do Ciência sem Fronteiras sem que estivessem efetivamente dentro dele.
A Folha entrou em contato com 25 desses bolsistas em oito países. As respostas revelaram surpresa por parte dos alunos. Alguns nem sequer tinham se inscrito no programa. Três relataram terem sido reprovados no Ciência sem Fronteiras.
Estudante de doutorado na Freie Universität Berlin, na Alemanha, Grégori Romero chegou a tentar o Ciência sem Fronteiras. Quando se inscreveu, conta, não tinha preferência entre os programas.
"Mas, agora que tenho a da Capes/Daad, acho que é uma vantagem, pois mesmo recebendo o auxílio do Brasil, sou aluno Daad, que é um órgão alemão com fama internacional. É um programa mais tradicional, com critérios de seleção mais elaborados."
André Hallack, doutorando na Universidade de Oxford (Reino Unido), conta que foi aprovado por ambas as bolsas, "que são praticamente iguais". "Quando saiu o resultado do Ciência Sem Fronteiras, eu já estava bem fechado com a bolsa da Capes, então ignorei o processo dele."
Alguns dos estudantes ouvidos relataram ter questionado a Capes por e-mail. Eles receberam como resposta que a manobra é "para dar estatística" e cumprir "metas do governo federal".
A distorção pode ser ainda maior, já que a Folha observou também, em outros editais de doutorado pleno e doutorado-sanduíche, mais nomes repetidos.
Foi solicitada à Capes a lista de bolsistas regulares, mas a instituição alegou falta de estrutura para entregá-la, para saber quantos de fato são eles e se também estavam no Ciência sem Fronteiras.
O pedido foi feito novamente via Lei de Acesso à Informação, mas o governo ainda não respondeu.
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