quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Tradições familiares e os valores que passamos adiante

Tradições familiares e os valores que passamos adiante


A Semana Farroupilha me remete a lembranças das tradições gaúchas e os hábitos da minha família. E você, que tradições cultiva e deseja passar ao seu filho?





A Semana Farroupilha começou e, sempre que ela chega, mesmo morando fora do Rio Grande do Sul, eu penso em seu legado. Mas não são os detalhes desta revolução sangrenta que durou dez anos (1835-1845) que me comovem, acho toda guerra desnecessária, prova explícita da falta de generosidade e amor entre os homens. Mais do que os conflitos políticos e econômicos da época e sua importância histórica, o que me fascina é o culto às tradições que se instala em todas as escolas, empresas, parques, recantos do RS.


Nesta semana especial, que vai de 14 a 20 de setembro, renova-se a intenção de manter a chama sagrada de valores gaúchos como a hospitalidade, o respeito à palavra empenhada, a solidariedade, a honestidade, o apego aos costumes, o exercício da gentileza. É lindo de ver as crianças pintando a bandeira, cantando o Hino Rio-Grandense, declamando poesias, apresentando danças típicas e experimentando a culinária campeira. Tudo isso me faz pensar, agora que tenho uma filha, no que vou passar adiante. Quem somos nós e de onde viemos? Quem são nossos filhos e para onde vão?



As tradições que mantemos, elas têm que fazer sentindo. Do hábito de lavar as mãos antes das refeições, que evita doenças, ao tempero que usamos na cozinha, que atiça paladares, tudo nos foi passado de pai para filho, atravessou gerações e se propagou longo do tempo porque nossas famílias acreditaram ser o melhor para nós. Selecionamos o que há de bom no que aprendemos e damos continuidade para a manutenção da nossa própria espécie. E, claro, aperfeiçoamos sempre que possível. Assim, evoluímos.





Para dar uma amostra das minhas raízes à carioquinha Ana Bia, aos 3 aninhos levei-a ao tradicional acampamento Farroupilha no parque Maurício Sirotsky Sobrinho, em Porto Alegre. Desfiles de cavalos, cheiro de esterco, fogo de chão, aromas de churrascos, carreteiros, pinhão assado e deliciosas cucas, prendas em lindos vestidos rodados, gaúchos pilchados, havia de tudo. Deste verdadeiro "carnaval dos pampas", o que mais chamou a atenção da baixinha foi a bandeira do Rio Grande do Sul. Ela ganhou uma versão de plástico, se agarrou ao presente e dele não se desgrudou. Dançou, cantou, vibrou com a bandeirola em punho, emocionando até os gaudérios mais durões. Morri de amores.



Um dos hábitos familiares que mantive desde que deixei o RS em 1996 foi tomar chimarrão diariamente. Herança cultural dos índios Guarani, que cevavam a Ilex paraguariensis, também conhecida como erva-mate, acrescentavam água quente à cuia de porongo e tomavam com o tacuapi, espécie canudo feito de cana, nós gaúchos aperfeiçoamos a técnica com bombas de ouro e prata e até cuias de cerâmica (não contem pra ninguém, é numa dessas que preparo o meu). Incorporamos o “chima” na rotina dos lares e repartições públicas e no contexto acolhedor no qual ele se insere: o de passar de mão em mão nosso afeto.



Já fiz verdadeiros malabarismos para conseguir a erva na época em que morava no exterior, era um tal de ir com a mala vazia para voltar com ela cheia de pacotes, pedir para parentes mandarem pelo correio, implorar para amigos trazerem um quilinho só na bagagem. Agora a medalha de ouro da fidelidade ao mate amargo vai para a minha avó materna, a Oraides, que numa pacata noite de Natal teve uma isquemia, ficou paralisada, deu o maior susto na família. Qual foi a primeira coisa que fez ao se levantar da cama, no dia seguinte? Foi até o fogão botar a chaleira pra esquentar.



Conto essas histórias para a Bia, na esperança de que incorpore (ou ao menos experimente) um pouco da minha tradição. Ela até tomava quando era pequenina, mas um dia, com a água muito quente, queimou a boquinha e nunca mais quis chegar perto. Seria tão bom chegar em casa e ter com quem compartilhar a cuia... Um dia eu chego lá. Só não me peçam para botar açúcar no mate. Antes só do que uma tradição quebrada.

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