O que a salvação de Temer diz sobre a política brasileira?
Há cerca de dois meses, o governo Michel Temer era dado como morto. Após o escândalo da JBS, que implicou diretamente o próprio presidente, surgiram especulações sobre uma renúncia, nomes que poderiam substituí-lo começaram a aparecer na imprensa, e alguns partidos da base romperam com o Planalto.
Mas o presidente reagiu. Distribuiu bilhões de reais em emendas parlamentares, ofertou cargos na máquina federal e atendeu demandas de setores da direita ruralista e evangélica da Câmara para conseguir sobreviver. A estratégia foi vitoriosa na quarta-feira (02/08) à noite, quando os deputados rejeitaram a aceitação da denúncia criminal contra Temer por suspeita de corrupção por 263 votos – contando ausências e abstenções, o total de apoios chegou a 284. Já a oposição, conseguiu magros 227 votos dos 342 necessários.
Operando em sua própria lógica, a maioria da Câmara ignorou a vontade de 81% dos brasileiros, que, segundo uma pesquisa do Ibope, queriam a aceitação da denúncia criminal e o consequente afastamento de Temer até a realização de um julgamento. Entre os apoiadores de Temer que discursaram durante a votação, foram poucos que disseram que o presidente é inocente.
A maior parte deles argumentou que a manutenção do presidente ajudaria o "crescimento econômico" e que o Brasil "precisa de estabilidade". Outros falaram que a queda de Temer traria o PT da ex-presidente Dilma Rousseff, derrubada em um processo de impeachment em 2016, de volta ao poder.
Nas falas, pouco se mencionou que um assessor do presidente foi flagrado recebendo 500 mil reais, que o próprio Temer teve um diálogo com um empresário que disse ter subornado procuradores e juízes e nada fez. "Investigar é preciso, mas não é urgente", disse Julio Lopes (PP-RJ), que foi citado na Lava Jato e votou a favor do governo, sintetizando a lógica de muitos deputados.
A votação foi histórica, já que envolvia pela primeira vez um presidente da República alvo de uma denúncia criminal, mas seu resultado, segundo observadores europeus ouvidos pela DW, foi típico da forma como opera a política brasileira.
"Esse caso diz muito sobre o atual estado lamentável da política", diz Gaspard Estrada, analista político do Observatório Político da América Latina e do Caribe do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po).
Segundo o analista, o caso também demonstrou que "o impeachment não passou de uma simulação, um teatro". "No caso de Dilma, os deputados usaram um suposto crime de responsabilidade fiscal para justificar sua saída. Agora, em um caso com provas que demonstram corrupção pura e simples, escolheram manter o presidente. Os deputados não estão preocupados com a lei, mas apenas com seus próprios interesses e sobre o que podem arrancar do governo", diz.
Já o cientista político suíço Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen, afirma que, do ponto de vista moral e ético, as ações da Câmara são uma "catástrofe".
"É claro que do ponto de vista democrático eles tinham o poder de rejeitar a denúncia, mas elas atenderam a apenas uma lógica política imediata. É impressionante: quando o país está com tantos problemas econômicos e de infraestrutura, os deputados operem apenas nesse nível de debate", opina.
Ajuda indireta
Não havia dúvidas no início da votação de que oposição não conseguiria os 342 votos para afastar Temer. A questão era saber se o Planalto conseguiria quórum para encher o Plenário da Câmara. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que seria o principal beneficiado pela saída de Temer, exigiu a presença de 342 deputados para dar início à votação. Parte da oposição queria boicotar a sessão, na esperança que ela fosse adiada e de que os votos pudessem ser reunidos mais tarde.
Mas os opositores também estavam divididos e desarticulados. Vários deputados que queriam a saída de Temer compareceram para discursar, tendo suas presenças registradas, dessa forma ajudando a formar o quórum mínimo. O deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE) disse que a oposição foi "burra".
"Não se trata só de incompetência. Havia uma divisão entre a oposição. Ninguém gosta de Temer, mas vários deputados da oposição levaram em conta seus objetivos eleitorais, avaliando que é melhor que uma troca só ocorra em 2018, dando tempo para que seus candidatos tenham tempo de se organizar", analista o cientista político Estrada.
Ao contrário do impeachment, não ocorreram protestos relevantes na quarta-feira. Na Esplanada dos Ministérios só havia um manifestante solitário – na votação que marcou o fim de Dilma Rousseff, havia mais de 50 mil. A falta de pressão das ruas também acabou facilitando a manutenção do presidente.
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